Será que o público do meu treinamento on-line é nativo digital?

Nas últimas décadas, principalmente desde a de 80, temos testemunhado e participado de um crescimento importante do uso de tecnologias digitais variadas no nosso dia-a-dia, que ganharam um “gás” com a capilarização do acesso à internet.

Os nascidos até a década de 90 foram os que mais puderam experimentar as grandes mudanças. Quem se lembra do barulhinho da conexão discada? E do computador de tela preta com as letrinhas verdes?

Quem se lembra da primeira vez que teve uma internet banda larga em casa? De quando teve um telefone móvel pela primeira vez? E o wi-fi? Foi transgressor! Eu poderia listar muitas coisas aqui, mas certamente você desistiria de ler o artigo pela sua extensão.

Podemos assumir então que as gerações a partir da década de 80, em especial os nascidos após nos anos 2000 (que nasceram com um celular na mão) são nativos digitais? Depende do que chamamos de “nativos digitais”. 

O termo “nativo digital” foi popularizado por Marc Prensky, um educador e escritor norte-americano, em um artigo intitulado “Digital Natives, Digital Immigrants“, publicado em 2001. 

Prensky usou esse termo para descrever uma geração de pessoas que cresceram imersas na tecnologia digital desde uma idade muito jovem, contrastando-as com as gerações mais antigas, que ele chamou de “imigrantes digitais”, que tiveram que se adaptar à tecnologia digital em algum momento de suas vidas. 

Esse conceito proposto por Prensky gerou um debate significativo na área da educação e em outros campos. Muitos acadêmicos e pesquisadores expressaram críticas e preocupações em relação a essa divisão entre “nativos digitais” e “imigrantes digitais”. Alguns dos críticos notáveis incluem:

 


 

  • Neil Selwyn: Um pesquisador em tecnologia educacional, criticou a simplificação excessiva do conceito de nativos digitais e argumentou que essa divisão não leva em consideração adequadamente a complexidade das experiências individuais com a tecnologia.

 

  • Sue Bennett, Karl Maton e Lisa Kervin: Esses pesquisadores australianos publicaram um artigo em 2008 intitulado “The ‘Digital Natives’ Debate: A Critical Review of the Evidence”. Eles revisaram as evidências disponíveis na época e argumentaram que não havia apoio suficiente para a ideia de que as gerações mais jovens tinham habilidades tecnológicas inatas.

 

  • David White: David White, um pesquisador da Universidade de Oxford, introduziu o conceito de “visitantes e residentes” em oposição ao conceito de “nativos e imigrantes digitais”. Ele argumenta que a maneira como as pessoas usam a tecnologia é mais complexa e depende da finalidade e do contexto, e não apenas da idade.

 



Corroborando com Neil, Sue, Karl, Lisa e David, também questiono o termo “nativos digitais”. Olhe para uma criança de 11 anos hoje: ela sabe usar o telefone celular, jogar, entrar no YouTube, navegar em algumas redes sociais. Mas será que ela sabe, por exemplo, usar um editor de texto para escrever suas redações escolares?

Ou então, consegue utilizar o ambiente virtual de aprendizagem da escola (o Google Classroom, por exemplo), sem ajuda?

Se a resposta foi “não” para as duas perguntas acima, não é uma evidência de que uma criança de 11 anos não tenha capacidade cognitiva de realizar essas duas atividades. É evidência de que o simples fato dela ter “nascido com o celular na mão” não a faz um “nativo digital”, que significa ter habilidades para lidar com qualquer tecnologia digital. 

Se a resposta foi “sim”, resgate como essa criança aprendeu a manusear essas ferramentas. Foi de forma tão nativa e intuitiva assim? Ou houve uma instrução? Seja familiar ou escolar. 

 

A “dor” da educação corporativa ao promover aprendizagem

 

Toda a argumentação feita até aqui é para conectar com outro ponto: a dor do professor, da escola, da faculdade, da educação corporativa ao utilizar ferramentas digitais para promover aprendizagem. 

Essa dor nasce, muitas vezes, da crença de que os alunos são nativos digitais. Caímos no “conto do óbvio”, esquecendo que o óbvio sempre precisa ser dito e redito, trabalhado e retrabalhado. 

Não é tão óbvio assim que se você propor para seus alunos utilizar um editor de texto eles consigam com destreza. Tampouco pode ser óbvio para o funcionário da sua empresa navegar na universidade corporativa on-line. E na faculdade EAD?

Será que porque a pessoa procurou fazer um curso EAD significa, necessariamente, que ela tem habilidades desenvolvidas para operar em um ambiente virtual de aprendizagem? 

Daí nascem o desengajamento, a desistência, a baixa performance, até mesmo a ojeriza ao ambiente virtual para fins educacionais. 

Todos os envolvidos em um projeto de estruturação de um ambiente virtual de aprendizagem devem começar do óbvio: eu preciso instrumentalizar meu público com o básico, o simples, o “aperte este botão”, “clique nesta bolinha”. Todos vão precisar disso? Não! Mas há aqueles que precisam! Como identificar isso? 

Você não precisa, necessariamente, identificar cada uma das pessoas que precisa desse tipo de onboarding. Apenas deixe esse tipo de suporte (seja no formato de curso, seja no formato de suporte técnico) disponível para as pessoas. Nem assuma que pelo fato do seu público ser jovem isso não precisa acontecer. 

Muitas vezes investimos energia redesenhando as formações/cursos/treinamentos on-line pensando que o “problema” está nas vídeo-aulas, nas atividades e na tutoria apenas, sendo que muitas vezes a questão está bem lá atrás também: no letramento digital dos participantes. 

Em resumo, a discussão em torno do conceito de “nativo digital” nos leva a questionar o que realmente significa ser nativo digital. Não podemos presumir que o simples fato de alguém ter nascido em uma era de tecnologia digital automaticamente lhe concede habilidades avançadas em todas as ferramentas digitais. 

O que este debate destaca é a importância de reconhecer a diversidade de habilidades e experiências das pessoas em relação à tecnologia.

Para educadores, empresas e instituições de ensino, é crucial partir do óbvio e fornecer o suporte necessário, incluindo o desenvolvimento de habilidades básicas de letramento digital, para garantir que todos os envolvidos em ambientes virtuais de aprendizagem tenham a oportunidade de prosperar.

Somente assim poderemos abordar as dores e desafios associados à educação digital de maneira mais eficaz e inclusiva.

 

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